Émerson e os limites entre o público e o privado

Nos últimos 13 anos o Corinthians teve pelo menos três jogadores que se relacionaram com homens. Suspeito que sejam ainda mais. Alguns deles têm histórias bizarras nessa área, histórias que nenhum veículo ousou publicar (com razão). E o motivo principal para o silêncio é a absoluta irrelevância dessas decisões pessoais para avaliar seu desempenho em campo. Como torcedor, tudo que me interessa é o papel que desempenham.

Como cidadão, acharia um grande avanço se algum deles decidisse falar em público sobre isso. Não seria o primeiro boleiro a quebrar esse tabu, mas a projeção do Corinthians ajudaria muito a minimizar preconceitos em relação à homossexualidade. Costumo dizer que nosso time é o que tem mais torcedores gays. Mais torcedores heterossexuais. Mais ricos. Mais pobres. Não seria a primeira vez que o clube quebra barreiras importantes.

Nada disso tem a ver com o caso de Émerson Sheik, que postou em uma rede social uma foto na qual dá um beijo nada homossexual no sócio de um dos seus empreendimentos. Duvido que o atacante, que não joga em alto nível há um ano, quisesse romper barreiras ou discutir uma questão. Fez uma brincadeira que julgou inofensiva — e é assim que a trato — e obteve uma reação inesperada, tanto contra sua atitude como a favor dela.

Para que não haja dúvida das intenções de Émerson, leiam um dos seus comentários sobre a fatídica imagem: “Para você que pensou em fazer piadinha boba com a foto, dá uma pesquisada no meu Instagram todo antes, só para não ter dúvida”. Parece mais um trecho escrito por um homem machista do que por um heróico defensor da tolerância.

No mesmo dia em que saiu de campo irritado com o treinador, Émerson desviou o foco para o que faz do lado de fora. Nem é novidade. É divertido ter um jogador capaz disso. Mas levá-lo a sério, como se tivesse proposto uma questão, não dá. Foi tão espontâneo e apolítico que Sheik se apressou a pedir desculpas à meia dúzia de homofóbicos que teria reagido mal a qualquer caso do tipo. Não há como ver heroísmo em Émerson.

Uma atitude privada que foi tornada pública não faz dele nem o militante GLBT que alguns gostariam de ver nem o homossexual pervertido que os reacionários esperariam ter. Tanto é assim que antes da foto desta semana Émerson era o pegador que postava fotos com mulheres variadas na mesma rede social. Fotos que postava para alegria testosterônica dos mesmos homofóbicos que o criticaram como se tivessem batido um martelo no seu joelho.

A brincadeira de Émerson interessa ainda menos porque nem de longe interfere no (mau) desempenho dele em campo. Não revoluciona nada no esporte brasileiro, porque não é uma atitude política e consciente — ele próprio deu a entender que a crise de imagem foi mais um acidente do que um posicionamento. Mais um sinal de que nos últimos meses Sheik tem feito muito mais pelo Instagram do que pelo Corinthians.

Acho legítimo que se queira debater homossexualidade no futebol. Mas acredito que a imagem de Émerson com o amigo já foi fetichizada, como se tivesse valor em si por causa da reação da mídia e de grupos previsíveis. Discordo. A brincadeira de Sheik, até por ele não ser homossexual, é quase uma zombaria do sofrimento de outros jogadores que não admitem sua identidade por medo de nunca mais entrarem em campo.

Certamente não foi essa a intenção dele, mas, sim, a foto que publicou reduz dilemas de jogadores importantes, dilacerados entre a própria identidade e a proibição dos dirigentes, a uma simples brincadeira. É como se todos pudessem. Jogadores como outros que passaram pelo Corinthians e por tantos clubes importantes nos últimos anos e preferiram o silêncio, mesmo quando estiveram à beira de se exporem a todo o país.

Esse é mais um motivo para não entender a imagem como algo mais do que uma piada entre amigos, e não uma declaração sobre como a sociedade deveria ser. Vejo nisso até uma defesa da ingenuidade de Émerson, um jogador hoje em crise dentro de campo.

Por fim, me parece importante dizer que sociedades modernas não são aquelas que debatem se é válido beijar uma pessoa do mesmo sexo ou não. Essa é uma pergunta para a qual quase todos têm uma resposta pronta, tanto os liberais como os conservadores. Sociedades modernas são as que diante dessa pergunta respondem com “que diferença isso faz?”. Eu, sinceramente, não vejo nenhuma.

Sobre Mauricio Savarese

I am a Brazilian journalist who got tired of reporting only in Portuguese. Politics and football, these are my turfs. Twitter: @msavarese. Email: savarese.mauricio@gmail.com
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11 respostas para Émerson e os limites entre o público e o privado

  1. Pingback: Eu sou gay | novoscorinthios

  2. Paulo Rogério disse:

    Cada um cada um,tenho outras coisas para aprender e tentar entender,não quero saber se sheik beija se sheik abraça ou coisa parecida,o cara nem sabe que muitos de nos existe,ele ta pouco se lixando com isso,parem de dar IBOPE para um jogador de futebol que depois de 2 3 4 taças de vinho resolveu beijar o sócio …isso muito provavelmente é sinal que os negócios vão indo bem e a grana não para de entrar…tenho mais o que fazer affffff..,

  3. Francisco Silva Mendes disse:

    Eu sinceramente,tenho plena convicção,que especialmente boa parte da mídia há alguns anos,vem dando ênfase às mediocridades e coisas sem a mínima importância,quanto ao do excelente jogador Emerson,que transparece ser um grande ser humano,que muito sofreu para conquistar o seu merecido lugar’ao sol’.Por quê,vcs pseudos “intelectuais”da mídia,não procuram enaltecer a história de vida do próprio Emerson,que é muita rica e serve de parâmetro de sobrevivência vitoriosa para todos,inclusive de vocês,por quê,hein?Por quê vocês,não procuram valorizar o que é nosso,como a cultura em geral,ao invés de cultuar babaquice,deveriam ir atrás pilantras “poderosos”,que estão,neste exato momento à solta,arquitetando,mas um golpe,contra o dinheiro dos brasileiros patriotas e trabalhadores,como eu,como vocês?Se liga,caros profissionais da mídia,que na sua grande maioria,certamente são providos de muita capacidade,profissionalismo e criatividade,não se prestariam a enfatizar,a gozação e desprendimento peculiar,do Emerson”sheik”,um carioca nato,um brasileiro que sobreviveu à miséria,um sobrevivente do holocausto social brasileiro,que tentam minimizar com a soberba e descara hipocrisia,que,”milhões”de brasileiros saíram da linha da pobreza e viraram “classe média”,pura falácia…por quê,os “pseudos intelectuais”,não procuram,gastar o seus “preciosos tempo”,em verificar e tornar mais explicitamente as citações acima,para que o povo vote,ou seja,escolha melhor,na hora de votar,se é que dá,pra escolher alguém,dos que estão por aí,em “poder vitalício”,e não querem “largar o osso”,para uma boa renovação,em especial com a participação igualitária da mulher,e da juventude no poder.Acorda Brasil!!

  4. Orias de Oliveira disse:

    As minhas palavras são as mesmas do Antonio,com uma ressalva certas pessoas vivem de uma maneira inatura,l porque “Deus criou mulher para o homem,homem para a mulher” fim de papo.

  5. Republicou isso em Rocha, Alexandre: anotaçõese comentado:
    Garimpado do Twitter…

  6. Andre disse:

    Ridículo é ao não se posicionar nem a favor nem contra e se dizer: Pra mim que diferença faz? é a mesma coisa se fosse proibido beijo entre homem e mulher e eu falasse: Que diferença faz? Quem tem privilégios de poder beijar quem quiser sem sofrer preconceito realmente não vê diferença nenhuma.

    • Antonio disse:

      Ninguém é obrigado a se posicionar sobre assunto algum. Eu não tenho nada contra gays, pra mim eles podem casar ou namorar quem quiserem, mas também não vou sair “militando pela causa” ou coisa do tipo. Daí, você ou qualquer outra pessoa tirem a conclusão que quiserem que eu não to nem aí.

  7. Hugo disse:

    Não é verdade o que esse blogueiro fala. O Émerson não só não pediu desculpas como chamou de babacas os torcedores que o criticaram. E seu colega logo disse que era sim uma forma de enfrentar a homofobia e expor a questão…Isso não o torna, obviamente, um herói da causa ou algo do tipo, mas dizer que foi ingenuidade, forma de despistar etc é querer esvaziar o conteúdo político do gesto. E isso só favorece, justamente, a homofobia…

    • Jeff disse:

      Agora vem com toda essa hipocrisia. Se fosse jogador do São Paulo, ficariam enchendo o saco até o próximo milênio. Então segura a bronca agora, aguentem a tiração de sarro quietos e calados. Não tentem agora mascarar ou assumir um comportamento de luta contra o preconceito, porque até ontem todos ainda ficavam com essa babaquice de rotular o time A, B ou C por conta de homossexualidade. E se, com essas atitudes, vocês provam que não aceitam brincadeira, então que parem de pentelhar os outros times. Torçam no mundinho de vocês e não encham mais o saco dos outros. Hipócritas.

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